Reconectar-se ao corpo: o primeiro passo para transformar o trauma

Reconectar-se ao corpo: o primeiro passo para transformar o trauma

Durante uma das vivências da Formação em Terapia de Somatização do Trauma, há um momento em que os participantes são convidados a fechar os olhos e simplesmente se mover pelo espaço.
Sem ver, sem pensar, sem planejar, apenas sentindo.

A cada passo, o corpo vai revelando algo.
Um leve desconforto. Um impulso de retração. Um desejo de se aproximar. Uma tensão que se manifesta nos ombros, um arrepio, um suspiro.
O corpo fala o tempo todo, mas nem sempre aprendemos a escutá-lo.

O corpo como guardião das nossas histórias

Como afirma Bessel van der Kolk, autor de “O Corpo Guarda as Marcas”, o trauma não é apenas um evento do passado, mas uma experiência que se fixa no corpo, alterando nossa fisiologia, nossa percepção e nossa capacidade de estar presentes.
Ele diz que “o corpo mantém o placar”, registrando cada fragmento de dor, medo e impotência vividos além da nossa capacidade de processar.

Quando não conseguimos lidar com algo intenso, o corpo faz o que precisa para nos proteger: contrai, congela, desconecta.
Essas reações são inteligentes. São tentativas do sistema de garantir a sobrevivência.
Mas, quando permanecem por tempo demais, o que era proteção se transforma em prisão.

É nesse ponto que, como explica Peter Levine, criador da Somatic Experiencing, “o trauma não está no evento em si, mas na resposta congelada do corpo ao evento”.
Ou seja: o que nos adoece não é o que aconteceu, mas o que ficou paralisado dentro de nós.

Quando o corpo deixa de ser casa

Desconectados do corpo, passamos a viver mais na mente, racionalizando, explicando, controlando.
Mas o corpo continua falando, só que de outras formas: tensão crônica, ansiedade, bloqueios emocionais, sintomas físicos sem causa aparente, dificuldades em se relacionar ou se entregar à vida.

Gabor Maté observa que “quando não conseguimos dizer não, o corpo dirá por nós”.
Ele mostra como as emoções reprimidas e as adaptações emocionais acabam se tornando padrões fisiológicos, influenciando até nossa biologia e genética.

O corpo, portanto, não é apenas o veículo das nossas experiências, ele é o espelho delas.

O retorno à presença

Reconectar-se ao corpo é retornar à presença.
É sair da lógica mental do “entender” e entrar no campo da “percepção”, onde as respostas não vêm da cabeça, mas das sensações, dos movimentos e da escuta interna.

Durante a vivência com os olhos fechados, os participantes começam a perceber que cada movimento é um diálogo: o corpo reage, responde, pede espaço, busca contato ou recolhimento.
Aos poucos, o que antes era apenas desconforto começa a se revelar como emoção, memória, energia.

Essa é a linguagem do corpo, e é nela que o trauma se manifesta e também se transforma.

O corpo como caminho de volta

Na Terapia de Somatização do Trauma, o corpo é o ponto de partida e de chegada.
É através dele que acessamos o que ficou preso, e é nele que o movimento de vida se restaura.

Ao integrar corpo, mente, emoções e instintos primitivos, criamos espaço para que o sistema volte a confiar no próprio fluxo.

Reconectar-se ao corpo é o primeiro passo para transformar o trauma, porque é o corpo que sabe o caminho de volta à vida.
Ele lembra do que foi interrompido e, quando encontra segurança e escuta, pode finalmente liberar o que estava retido, devolvendo presença, leveza e autenticidade ao viver.

Porque transformar o trauma é devolver o fluxo da vida. E o corpo é o primeiro lugar onde esse fluxo recomeça.

Danielli Malini

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